sábado, 27 de junho de 2009

A CBF perde mais uma

O jornalista Juca Kfouri continua batendo forte no presidente da CBF, Ricardo Teixeira. E mais uma vez levou vantagem nesse embate, agora em ação indenizatória impetrada pelo cartola mor do futebol brasileiro.


"Leia uma decisão, em laranja abaixo, de lavar a alma:"

ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO COMARCA DA CAPITAL REGIONAL

BARRA DA TIJUCA JUÍZO DA 4a VARA CÍVEL

Processo nº 2007.209.007825-2

S E N T E N Ç A: CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL ajuizou ação indenizatória de rito ordinário em face de JOSÉ CARLOS AMARAL KFOURI (nome profissional JUCA KFOURI), alegando que o Réu, conhecido e experiente jornalista, mantém no site "uol esporte" o "Blog do Juca", no qual veicula suas opiniões acerca de diversos assuntos ligados ao esporte nacional, tendo no dia 26 de maio de 2007 publicada nota intitulada Navalha na bola, com o seguinte texto:
"Não bastasse o Senador Delcídio Amaral, agora um peixe ainda maior cai na rede da onda causada pela "Operação Navalha": o Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Amaral e Calheiros receberam da CBF, em 2002, R$ 100 mil reais cada um para suas campanhas eleitorais. E foram os grandes responsáveis pela aproximação de Ricardo Terra Teixeira com o Presidente Lula, que não gostava do cartola e não fazia nenhuma questão de esconder. A "bancada da bola" é mesmo uma bola. Não há escândalo no país que atinja seus membros. Quando tem empreiteira no meio, então..."
Tal nota lançada no blog teve como pano de fundo doação feita pela CBF ao Senador Renan Calheiros.
Para a Autora da ação...Fica claro que o Réu tenta relacionar a CBF à empreiteira Gautama, alvo da "operação navalha" da Polícia Federal, insinuando para os leitores que a Autora teria doado, de forma irregular, dinheiro para a campanha eleitoral do Senador Renan Calheiros.
Esqueceu-se o Réu de esclarecer que doações de campanha são legais e passam pelo crivo da Justiça Eleitoral.
Quis o Réu com essas insinuações colocar em dúvida a reputação da Autora e causar-lhe toda a sorte de problemas institucionais.
Desta forma, postula a Autora a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.
A petição inicial veio instruída com o texto questionado.
Citado, o Réu ofereceu contestação, afirmando inicialmente que o pedido formulado nesta ação é infundado, tratando-se de mais uma investida da CBF e de seu presidente Ricardo Teixeira no intuito de intimidá-lo.
Existem diversas ações ajuizadas pela CBF e por Ricardo Teixeira em face do Réu, que tem combatido em sua carreira com determinação todo e qualquer fato que se relacione à corrupção, suborno e outras mazelas que infelizmente também atingem o mundo do esporte.
O interesse do Réu é fazer prevalecer, não só no esporte, mas em toda a sociedade, o compromisso sério com a ética e com os interesses da população.
E é sabido que há anos o Réu incomoda a direção da CBF em razão de sua atuação crítica e corajosa.
Sobre o caso dos autos, aduziu o Réu não ter ofendido a Autora.
Não há qualquer ofensa no relato objetivo de um fato verdadeiro.
As doações foram feitas e o Senador Renan Calheiros caiu na rede da Operação Navalha, que visou desmantelar o esquema de fraudes em licitações de dimensões impressionantes, supostamente comandado pela empreiteira Gautama, levando à prisão várias autoridades.
Descobriu-se que o Senador Delcídio Amaral recebeu R$24.000,00 da referida empreiteira, havendo sido citado o nome do Senador Renan Calheiros na referida investigação realizada pela Polícia Federal.
No texto jornalístico publicado no seu blog, o Réu se limitou a mencionar o fato de que a CBF doou R$100.000,00 à campanha dos referidos Senadores.
Não foi afirmado nem sugerido que a doação fosse ilegal ou que o dinheiro doado teria origem ilegal.
Tais ilações decorrem de interpretação fantasiosa.
Fato é que a CBF, entidade máxima do futebol brasileiro, que exerce função de nítida natureza e interesse públicos, realizou doação vultosa à campanha dos Senadores cujos nomes estiveram envolvidos em investigação de fraude.
A menção a tal fato, cuja veracidade é incontroversa, atende ao interesse público de livre circulação de informações.
Pretendeu o Réu única e exclusivamente chamar a atenção do público leitor acerca da forma como a CBF administra suas verbas e o próprio futebol brasileiro que, como é sabido, envolve cifras milionárias.
Salienta o Réu ter agido no exercício regular da atividade de imprensa, não podendo responder por interpretações fantasiosas.
Lembrou o Réu que a CBF e o presidente Ricardo Teixeira tiveram suas condutas examinadas por duas Comissões Parlamentares de Inquérito instauradas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal sobre irregularidades na administração do futebol brasileiro.
O futebol é patrimônio cultural imaterial, merecendo proteção contra aqueles que nele enxergam apenas possibilidades de lucros desmedidos.
E como resultado de tais CPI's, foram requeridos inúmeros indiciamentos e providências de natureza fiscal e penal.
Logo, o comentário feito pelo Réu bem demonstra sua opinião acerca da forma como a CBF administra o futebol brasileiro e seu vultoso orçamento, consubstanciando, portanto, lícito e legítimo exercício de crítica jornalística.
A Autora manifestou-se em réplica, destacando que o Réu empreende cruzada pessoal contra a CBF e seu atual presidente, em seu blog, em seus pronunciamentos na televisão e na Rádio CBN.
Nenhuma outra prova foi produzida.


Feito o relatório, passo a DECIDIR.


É cediço que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral (Súmula 227 do STJ), mas isto não ocorreu, com certeza, no caso sub examen.
Não é preciso grande esforço para se concluir que o Réu não ofendeu de qualquer modo a honra objetiva da Confederação Brasileira de Futebol.
Com uma simples e rápida leitura do texto jornalístico questionado se verifica que a única menção feita à CBF diz respeito às doações de cem mil reais que a entidade máxima do nosso futebol realizou em benefício das campanhas eleitorais dos Senadores Delcídio Amaral e Renan Calheiros.
Apenas isso.
E essas doações não foram contestadas pela Autora.
Aconteceram de fato.
Portanto, como pode a Autora pretender responsabilizar o jornalista pela divulgação de fatos reais?
Esta investida da CBF beira a litigância de má-fé, isto sim!
Já soa estranho a qualquer um o fato de ter a CBF doado dinheiro para as campanhas eleitorais de dois Senadores. A CBF é uma associação de direito privado, de caráter desportivo, dirigente do futebol brasileiro.
Embora se trate de entidade privada, a CBF é responsável pelos destinos do futebol brasileiro, e o futebol não tem dono.
O futebol não é da CBF e de seus dirigentes, tão-somente.
O futebol é de todos nós, é do Brasil e é do mundo.
O futebol é uma maravilha, uma bela criação dos ingleses!
E futebol é coisa séria, desperta sentimentos agudos, paixões.
É a rivalidade sadia que o homem inventou para expressar sua virilidade.
É a guerra do bem, que não destrói, só constrói, que não deixa mortos e feridos.
Esporte completo, sinônimo de saúde, habilidade e força.
Repito: não tem dono!
E é por conta dessa força e dessa magia que o futebol movimenta muito dinheiro, gerando riqueza.
Pouco importa a natureza jurídica da Autora, de entidade privada, pois dita associação lida com um patrimônio do povo brasileiro.
O futebol brasileiro é o maior produto de exportação deste país.
Logo, deve ser gerido com seriedade e austeridade, administrado com transparência, como se fosse uma instituição pública.
Seus recursos devem ser empregados em prol do desporto e em ações sociais, como fazem diversos clubes neste país.
Nesse contexto, fica realmente difícil compreender o sentido dessas doações de vultosas quantias a determinados políticos.
E não interessa a este debate se as doações foram feitas sem violação da lei.
Não é este o cerne da discussão.
Sendo assim, foi a própria CBF que, com a sua conduta, deu margem à veiculação da notícia e aos comentários críticos feitos pelo jornalista Juca Kfouri em seu blog.
Aliás, o Réu revelou que foram instauradas CPI's em Brasília no intuito de se apurar desvios e irregularidades na administração do futebol brasileiro, com o exame de atos praticados pela CBF, que resultaram em indiciamentos e na adoção de diversas providências de natureza fiscal e penal em face dos envolvidos, não tendo a Autora negado a ocorrência de tais fatos em seu pronunciamento acerca da contestação.
Cumpre acrescentar que o Réu não afirmou em sua nota que tais doações seriam ilegais ou que o dinheiro doado teria origem ilícita.
A nota jornalística em apreço não contém ataque à instituição demandante.
Não se extrai de seu conteúdo a intenção deliberada do Réu de denegrir gratuitamente a imagem e a credibilidade da CBF.
Há sim, nas entrelinhas, uma veemente crítica à administração da entidade, baseada em fatos reais.
O Réu não pode ser responsabilizado pelo relato de fato verdadeiro, incontroverso, por sua manifestação no exercício legítimo de informação e crítica jornalística.
Existe um interesse social pela notícia.
Se é certo que devemos repudiar e combater todo e qualquer abuso de jornalistas que violam a liberdade e a honra de terceiros, de outro lado existe a necessidade de se preservar uma imprensa livre para a manutenção da democracia.
A imprensa exerce papel fundamental na vida de um país livre e democrático, e é através dela, do jornalismo investigativo, que muitos ilícitos praticados vêm à tona.
Não vislumbra este Juízo no texto de autoria do Réu, desvio ou excesso na informação veiculada, de modo a caracterizar um comportamento ofensivo, que atente contra a honra objetiva da entidade máxima do futebol brasileiro.
Em tais circunstâncias, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na inicial, resolvendo o mérito na forma do artigo 269, inciso I do CPC. Face à sucumbência, condeno a Autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios que arbitro em R$8.000,00 (oito mil reais). P.R.I.

Rio de Janeiro, 23 de junho de 2009.

Carlos Alfredo Flores da Cunha

JUIZ DE DIREITO

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