Texto do jornalista gaúcho Luiz Pilla Vares, que morreu esta madrugada em Porto Alegre. Apaixonado por futebol, formado em direito, estudioso de política e filosofia, foi militante do PCB, Secretário de Cultura do município na gestão do prefeito Tarso Genro e do Estado no governo Olívio Dutra.
"Não existe coisa mais chata em rádio e televisão do que entrevistas com jogadores de futebol. Nos jornais impressos ainda dá para agüentar porque, quando tem talento, o repórter sabe organizar o texto e vez por outra transformar a entrevista em uma leitura até agradável. Mas quando é com o microfone fica uma coisa lamentável. São sempre as mesmas obviedades, as mesmices, as monótonas repetições de termos e expressões, a tal ponto que os mais diversos jogadores parecem um só.
É, sim, uma indigência cultural de doer. O mais mauricinho dos nossos craques, o Kaká, do Milan, não escapa disso. E, na maioria das vezes, os entrevistados são jovens ricos, todos eles muito acima do nível de vida do povo dos quais eles são originários. Mas não se pode culpá-los. Os meios de comunicação também se renderam à mesmice e às obviedades. Fazem sempre as mesmas perguntas e, é claro, ouvem invariavelmente as mesmas respostas.
É preciso levar em conta que esses jovens jogadores de futebol têm uma baixa escolaridade e os estudos não fazem parte de seus projetos de vida. Por isso acredito que os meios de comunicação devem repensar o tipo de entrevistas que fazem com os jogadores: apelar para a criatividade, buscar a autenticidade e a singularidade de cada um dos boleiros, enfim, mudar o tipo de entrevista, procurar fazê-los falar de uma forma irrepetível, se é que as entrevistas com os jogadores são imprescindíveis.
Para mim, elas só servem para "encher lingüiça" antes das partidas começarem — o que, para quem adora futebol como é o meu caso, é o que interessa. Também penso que as direções dos clubes deveriam ter mais preocupações nesse sentido. Não simplesmente paparicar esses jovens deslumbrados com a riqueza que chegou de um dia para o outro, mas realizar programas com eles, levando-os a pensar sobre a vida, sobre a importância de um mínimo de nível cultural e que suas trajetórias não podem se limitar à bola (ainda que esta seja o principal objetivo de suas profissões) e mostrar, com exemplos concretos e individuais, que um jogador de futebol pode, também, ser um cidadão articulado, como Falcão, Sócrates e Tostão. Quero deixar bem claro que nunca me ocorreu a bobagem de pretender transformar um boleiro num Sartre. O grande intelectual fica bem na arquibancada. Que eu saiba o único que tentou jogar foi Albert Camus. E nem sei se ele era bom de bola."
Nenhum comentário:
Postar um comentário