Ao fundo, à direita, o magrinho Nei com aturma do JSC
O Nei Duclós não vai ficar brabo comigo por reproduzir na íntegra o texto que publicou no seu blog hoje. Batem no coração as lembranças retratadas com sutileza e precisão cirúrgica pelo Nei. E não é saudosismo. É a falta que sinto de um tipo de jornalismo que morreu faz algum tempo. A evolução tecnológica facilitou e a preguiça – hoje não se levanta da cadeira para fazer matéria - matou o jornalismo de qualidade, aquele que nos botava para fora das redações todos os dias correndo atrás da informação e lutando contra o horário de fechamento. Quero, sempre que possível, divulgar o belo e competente texto deste poeta, escritor e jornalista. Com ele as palavras não têm sossego. Ainda bem. Vale a pena jogar confete nesse cara, a quem admiro desde o início dos anos 70 na criação do Jornal de Santa Catarina e na enfumaçada “mansão” que compartilhamos em Blumenau.
Por Nei Duclós
Fiquei alguns meses em São Paulo morando de favor e fazendo uma matéria por mês no Jornal de Investimentos, editado pelo Celso Ming, e que era um dos veículos do grupo da Gazeta Mercantil. Meu tema eram empresas que tinham acabado de entrar nas Bolsa de Valores. Ming esmigalhava meu texto sem dó e me obrigava a reescrever um monte de vezes. Cansado daquela vida, resolvi viajar para Florianópolis, onde amigos meus tinham alugado uma casa. No primeiro churrasco, fui avisado por Ayrton Kanitz que Jorge Escosteguy trabalhava em O Estado e precisava de um redator. Era minha especialidade: o copy.
Sempre admirei repórteres mas não estava talhado para a função. Nas primeiras matérias me colocavam no copy. Aproveitavam meu texto para corrigir o dos outros. E nisso fiquei,praticamente a vida toda, com algumas incursões nas reportagens e na edição. Quando cheguei na redação, Scotch brincou escondendo-se atrás da Olivetti. Nos conhecíamos do tempo da Folha da Tarde, dois anos antes, da Caldas Junior de Porto Alegre. Acabamos morando perto e remando sem parar no jornal, fechando os noticiários de Nacional e Internacional. Lá estava o Aluisio Amorim, também copy do Scotch.
Lembro que choveu demais aquele ano de 1972 e nos perguntávamos quando teríamos a ilha da magia. Scotch era um dínamo e vivia em conflito com a chefia da redação, a cargo do gentil Marcilio Medeiros, filho. Havia pessoas pacatas como Laudelino Sardá, que jamais se metia em brigas, jovens talentos como Cesar Valente e outros mais animados, que gostavam de implicar com nossa biografia e se perguntavam o que fazíamos ali na terra deles. Na época da repressão braba, todos nós estávamos sob suspeita. O problema era a política, mas meu cabelos compridos denunciavam alienação. Eu, pelo menos, não aparentava perigo. Não iria pegar em armas, já que tinha ainda o agravante de fazer poesia. Já o Scotch, sempre disseram que ele era do partidão, mas nunca vi isso confirmado. Para mim, era um espírito livre, anti-ditadura, como todos nós.
Um belo dia o Matusalém Comelli, que era dono de O Estado, convidou o Kanitz para trabalhar lá. Mario Medaglia, bamba do noticiário esportivo e "jornalista desde que nasceu" também viera do JSC a convite de O Estado, assim como eu e Virson Holderbaum, amigo certo desde os anos 60. Ayrton Kanitz dava show na sucursal do Jornal de Santa Catarina na capital e fazia concorrência pesada. Foi convidado para determinada função, não lembro qual, mas depois de ter pedido demissão, foi informado que seu cargo era outro. Faria coisa diferente do combinado. Foi o que fiquei sabendo, não tenho detalhes de quem partiu a decisão. Isso causou estranheza entre a gauchada, que resolveu pressionar a direção para cumprir a palavra. Em vão. Resultado: a maioria saltou fora e foi assim que se deu o quiprocó de O Estado. Acabei indo mais tarde para São Paulo, onde pousei na redação da Folha de São Paulo e depois em outras, como canso de repetir nas minhas memórias precoces (já esgotei todos os assuntos, nada mais me resta a fazer na terceira idade; posso ir sestear).
Os fatos assim se deram e acabamos saindo da cidade que tínhamos escolhido para viver (acabei voltando,primeiro em 1981 e depois em 2003; aí, fiquei). Ainda rodei algum tempo desempregado, mas a barra pesou. Migrei primeiro para Vitória do Espírito Santo, onde trabalhei no novo jornal A Tribuna, voltei a Porto Alegre para a Folha da Manhã da Caldas Junior em 1974 e finalmente São Paulo novamente, onde passei por vários lugares. Para que servem essas lembranças, tão prosaicas? Só para dizer que faço parte da proto-história do jornalismo brasileiro, aquele que nem é mais lembrado, já que saudade hoje se sente dos anos 80 para cá. Para trás, já é o mundo perdido.
Mario, meu amigo: tenha cuidado com as homenagens. Ensaiei um nó garganta, mas preciso me preservar. A emoção fica assim sugerida e não é pouca, porque a admiração é mútua. Só que fica confinada porque precisamos continuar, contar a história. A nós coube o testemunho. É uma missão. E nunca fico brabo com amigos, ainda mais quando divulgam meu texto.
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