VELHOS, SAFADOS E MENTIROSOS
Escreve Fernando Gabeira na Folha de São Paulo, edição de hoje:“Há uma dezena de deputados dispostos a enfrentar o PMDB, aliados e a combatividade da estrela vermelha. Aliás, voltei ao Salão Verde, pensando nela. A estrela vermelha para mim não tem sentido. Eu a vi nos tanques sérvios que atiravam nos civis e em nós, repórteres. Agarrados à estrela vermelha, perpetraram crimes horrendos sob o título de limpeza étnica”.
Quem o lê, pode até imaginar que o bravo deputado esteve algum dia nalgum front. Ainda há poucos meses, contei como foi a cobertura de Gabeira. Sinto-me obrigado a contar de novo.Guerra da Iugoslávia, 1991, nos dias de independência da Croácia.
Eu trabalhava na editoria de Internacional da Folha de S. Paulo. Gabeira, nosso correspondente responsável pelo Leste europeu mandava suas matérias de Berlim, que isso de cobrir guerras no front é muito arriscado. Por volta das três horas da tarde, começava a enviar seus despachos, a partir do noticiário dos jornais da manhã. Isto é, os jornais haviam sido redigidos ontem, os fatos ocorridos anteontem e o leitor brasileiro os leria amanhã, com pelo menos três dias de atraso. As agências noticiosas, mais ágeis, nos enviavam notícias fresquinhas. A nós, redatores, cabia substituir o lead da reportagem por material mais quente. Lá pelas cinco da tarde, o despacho enviado caíra para o pé do texto. Quando o correspondente informava que os iugoslavos planejavam um ataque, nós já tínhamos os alvos destruídos e os aviões de volta às bases. A cobertura da guerra, em verdade, era feita da redação na Alameda Barão de Limeira, em São Paulo. Que, de certa forma, estava mais próxima dos fatos que o correspondente na Alemanha. O texto todo era redigido na redação. Começávamos a atualizar a matéria pelo lead e Gabeira ia descendo rumo ao pé. Muitas vezes não sobrava sequer uma linha do despacho original. Mas a matéria saía assinada por Fernando Gabeira, "enviado especial". Como era feita esta cobertura? O redator recebia um punhado de despachos, que iam sendo renovados a toda hora pelo boy que os retirava do telex. (Eram ainda os dias do telex). Havia matérias quentes das agências, que tinham seus correspondentes no campo de batalha, reportagens frias que davam o clima local, análises de especialistas e informes sobre a repercussão dos fatos nas diferentes capitais do mundo. Cabia ao redator juntar todos esses relatos e criar uma história coerente. Fossem os textos assinados ou não, os fragmentos aproveitados pelo redator eram todos atribuídos ao “correspondente de guerra”, comodamente instalado em Berlim.A segunda edição do jornal, a que circularia no dia seguinte apenas em São Paulo (na cidade), era fechada lá pela 01h da manhã. Como os redatores da Internacional eram ágeis, o leitor paulistano pelo menos tinha uma visão muito atualizada da guerra, graças ao intrépido correspondente Fernando Gabeira. Ocorre que o texto que chegava ao leitor não era de Gabeira. Era nosso.Gabeira deveria sentir-se muito surpreso se lesse sua matéria publicada, falando de fatos dos quais ele, o suposto autor do texto, nunca ouvira falar. Mas nunca reclamou, como seria de se esperar de um jornalista honesto.Gabeira, se alguém não lembra, é o impoluto deputado que criticou Ziraldo e Jaguar por receberem a bolsa-ditadura, sem se lembrar que ele mesmo a reivindicou, como indenização pelos anos em que passou fumando maconha em Estocolmo. É o mesmo deputado que não hesitou em beneficiar-se da farra das passagens aéreas, para visitar sua filha no Exterior.
Hoje, como se nada tivesse a ver com as falcatruas do Senado, assim finaliza seu artigo:“Não se trata só de um constrangimento ao ver o Senado definido como casa de horrores. Mas o de conviver um grupo de homens idosos, movendo-se com uma desenvoltura criminosa, unindo nos lábios do povo as palavras velho e safado, como se fossem gêmeas que nascem ligadas. Tempo de tormentas”.
Pelo jeito, de tanto assinar artigos que não escrevia, acabou acreditando que esteve no front. “Tanques sérvios que atiravam nos civis e em nós, repórteres”. Heróico, o deputado! Pena que só viu tanques sérvios pela televisão. Vai ver que sentiu-se ameaçado em seu sofá, pelos canhões que avançavam na tela. Ao mesmo tempo, dá a impressão de sequer ter participado das corrupções do Senado, das quais de fato participou. Chama seus colegas de bordel de velhos e safados, como se ele mesmo não fosse velho, safado e mais ainda, mentiroso.Na mesma página, olímpico e indiferente ao mar de acusações que o incriminam, assina um inocente artigo sobre as virtudes do Chrome ou Windows 7 um senador velho, safado, mentiroso e ladrão. José Sarney, o presidente da Casa dos Horrores.
Vai mal a Folha de São Paulo.
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